História ARJ

Manifestação do P. Silvio Meinke
P. Sílvio Meinke
Vocês podem imaginar um acampamento de aproximadamente 1.000 jovens, em campo aberto, onde todos os chuveiros e todos os banheiros tiveram de ser construídos pelos organizadores? E vocês podem imaginar que os acampantes eram observados por agentes contratados pelo governo, para ver o que se fazia e se falava entre eles? E vocês podem imaginar acampamentos como este em que os participantes não sabiam se o jovem sentado ao lado talvez fosse um espiâo, que depois denunciava na polícia as convicçôes, as manifestaçoês e as falas que considerava perigosas para a segurança nacional?
Quando foi realizado o Primeiro Acampamneto Repartir Juntos, na virada das décadas de 1970 para 1980, o mundo estava dividido entre duas potências mundiais: O mundo capitalista, comandado pelos Estados Unidos da América do Norte, e o mundo comunista, comandado pela Uniâo Soviética. Os dois blocos promoviam a Guerra Fria que se estendia como nuvem ameaçadora sobre o Planeta todo. As duas potências promoviam guerras em muitas partes do mundo, sempre na casa dos outros, e se ameaçavam com suas bombas atômicas.
Alguns participantes do ARJ de 1992
A nuvem ameaçadora da Guerra Fria tornou-se mais pesada e mais ameaçadora para o povo brasileiros, a partir de 1964, com o golpe militar que instalou a ditadura em nosso País. De agora em diante, todos os movimentos sociais, todas as reuniões populares, eram proibidos ou severamente controlados, inclusive os encontros de estudantes e de jovens das igrejas. Todas as organizações que surgiam de baixo para cima eram controladas ou esmagadas de cima para baixo. E os encontros de jovens da Igreja eram infiltrados por informantes que passavam suas observações ao DOPS – O Departamento de Ordem Política e Social. Pastores que não marchavam na cadência do passo certo, comandado pelos militares, logo eram chamados de comunistas e subversivos, os piores adjetivos que alguém podia jogar no seu semelhante.

ARJ em Três de Maio

O primeiro Acampamento Repartir Juntos, realizado a trinta anos atrás, foi uma iniciativa dos pastores Rui Bernhard e Arnoldo Maedche que repartiam o pastorado de Santo Ângelo. Eles tiveram a colaboraçâo de um fazendeiro e organizaram o encontro nas proximidades das Ruínas de Sâo Miguel, em campo aberto, à beira de um capão de mato e às margens de um pequeno afluente do Rio Jacuí.
Participei desse primeiro encontro com um grupo de jovens do Vale do Taquari, e os dois colegas me convidaram para organizar o próximo encontro, em Languiru, em 1981. Acabei coordenando também a organizaçâo dos acampamentos de Não Me Toque, em 1982, Santa Rosa, em 1983, Agudo, 1984 e Osório, em 1985, sempre contando com a experiência e o entusiasmo dos dois colegas pioneiros. Todos estes acampamentos foram organizados em campo aberto, onde tivemos de contruir toda ou parte da infraestrutura, inclusive as barracas das reuniões, os chuveiros, os banheiros e a cozinha.
Quando realizamos o primeiro acampamento em 1980, o governo dos militares esgotava seu modelo e já não tinha as mesmas forças para reprimir as iniciativas populares, permitindo que as pessoas se encontrassem para refletir, ainda que continuasse a infiltração de delatores que passavam informaçães ao DOPS.
O Acampamento Repartir Juntos levou aos jovens a proposta de uma espiritualidade com engajamento social. Queríamos participar na construção de uma sociedade mais justa, em que todas as pessoas alcançassem o direito de opinar livremente sobre decisões que lhes diziam respeito e onde todos tivessesm supridas suas necessidades básicas de vida digna.
ARJ de 1999
Propúnhamos viver nossa fé cristã olhando em duas direções: 1) Para dentro de nós mesmos e definir nossa maneira de ler a Boa Notícia do Amor de Deus – o Evangelho de Jesus Cristo – ou seja: queríamos achar a nossa pérola preciosa; 2) Para fora de nós e refletir a relação que teria a nossa fé com a realidade que nos cercava, por exemplo, a situação dos povos indígenas que continuavam a ser expulsos das terras dos seus ancestrais; dos pequenos agricultores que migravam em grande massa para as cidades; a formação das periferias pobres de nossas cidades; o uso cada vez mais intensivo de adubos químicos e venenos no cultivo das lavouras; o arrocho dos salários nas fábricas que se encontravam no nível mais baixo da sua história.
Também organizávamos variados grupos de interesse, por exemplo, para promover o artesanato; para conhecer as propriedades medicinais das ervas dos nossos campos; para conhecer novas fontes de energia, como o biodigestor; para estudar os textos e avaliar o conteúdo da música popular brasileira; para criar novas formas de celebraçâo e escrever novos hinos para nossos cultos.
Um dos pontos altos do Acampamento de Languiru, em 1981, foi a participação de Adolfo Perez Esquivel. Ele fora agraciado, um ano antes, com o Prêmio Nobel da Paz, por causa da sua resistência não violenta, a exemplo de Mahatma Gandhi, à ditadura militar argentina, e do seu engajamento em favor dos Direitos Humanos.
- É como se estivéssemos no furacão de uma luta de formigas contra elefantes – disse o Prêmio Nobel da Paz, à sombra das guabirobeiras – mas as formiguinhas são infinitamente mais numerosas do que os elefantes.

Manifestação do P. Dorival Ristoff
P. Dorival Ristoff
Com prazer olho para trás e relembro que para cada acampamento confeccionávamos um caderno de cantos. Aos cantos mais cantados do acampamento anterior acrescentávamos novos cantos. E ao som do meu violão (ainda sem amplificação) e do violino de Walter Schlupp, fiel companheiro, a juventude cantava com entusiasmo. Nos programas da noite Walter e eu não tocávamos sozinhos; o palco se enchia de tocadores de violão que à tarde – num espaço dedicado para esse fim – aprendiam o acompanhamento dos cantos. Também outros músicos que apareciam, juntavam-se a nós tocando e cantando, de seu próprio repertório inclusive. O programa da noite, mais celebrativo, reservava muito espaço para essa atividade.
A contribuição musical do Repartir Juntos com a IECLB é inegável: em seu repertório passou a ter cantos que tanto pela letra como pela melodia tem raízes em nosso chão...
E se temos hoje o cancioneiro O Povo Canta, da PPL, e Hinos do Povo de Deus2, da IECLB, deve-se sobretudo a esse trabalho feito.
Cancioneiro do ARJ
Os cantos prediletos dos jovens foram: Momento novo (PPL 44); Baião da Comunidades (PPL 146); Hosana hey(PPL 35); Jesus Cristo, esperança do mundo (PPL 32); Esse é o nosso Deus (PPL 98); Senhor, se tu me chamas (PPL); O amanhã virá (PPL 179); Irmão sol, irmã luz(PPL 54; canto da abertura do programa da manhã); Migrante (PPL 60); Prédio de amor(canto do Nordeste); Pirâmide (canto de Portugal); A vida é caminhar; Esperança (PPL 62) ; Tu não nasceste para ser triste (canto da Colômbia). Os três últimos cantos mencionados são os cantos que ao meu entender foram os três cantos prediletos dos jovens durante o tempo em que atuei como o músico do Repartir Juntos. E entre os três o canto número 1 foi, sem dúvida, A vida é caminhar. De minha parte, o canto que eu mais gostava de cantar (tem muito a ver comigo e minha história de mudo até os 7 anos de idade) foi Esse é o nosso Deus (PPL 98).